É um tanto difícil falar-se
reiteradamente de uma prova em que já se participou, corremos o risco de nos
repetirmos, e de sermos enfadonhos, não obstante, importa realçar que nunca
nenhuma prova ironman será igual a uma edição anterior, e o Norseman é
seguramente daquelas provas onde efectivamente podem existir enormes
dissemelhanças, sobretudo porque, vale a pena dizer-se, a organização
considerou esta edição como estando entre as 3 mais difíceis até hoje
realizadas. Por outro lado, o factor humano é indubitavelmente o elemento que
mais pode fazer disparar essa diferença, por essa razão, vale sempre a pena
escrever alguma coisa,
Sobre as características do
Norseman já muito se disse, quem quiser aprofundar do que se trata, pode aceder
à minha postagem “
Porque Norseman é Extreme”, pelo que irei apenas descrever, muito
sucintamente, a minha participação na edição de 2016.
Sem nunca ter tido treinador para
a prática do triatlo, entendi que não perderia nada se passasse pela
experiência de cumprir um plano, e essa ideia tornou-se uma convicção quando
em 2015 decidi que a próxima prova seria com o apoio técnico de alguém. Após a
selecção para o Norseman, contactei o
Paulo Conde, o Mister, epíteto pelo que é
vulgarmente conhecido, que de imediato se disponibilizou a apoiar-me nessa
aventura. Paulo Conde, é um profissional com enormes capacidades técnicas e
científicas, capaz de perceber, diferenciadamente, cada atleta que tem a seu
cargo, possuindo ainda uma elevada capacidade motivacional, algo muito
importante para quem trabalha e objectiva praticar uma modalidade tão exigente
como o triatlo de longa distância.
A PREPARAÇÃO
Fizemos uma fase preparatória até Dezembro 2015, e daí em diante começamos a trabalhar com afinco. Cumprir um
plano diário foi uma novidade, mas simultaneamente um enorme gozo. Sentir o
corpo a adaptar-se, e os progressos a notarem-se, foi a minha motivação.
Tudo corria a bom ritmo, e a
conseguir absorver cada treino, quando em Junho bate à porta a
síndrome da banda iliotibial. Muito eu tinha ouvido falar dessa lesão, e o quanto ela importunava. Chegou a
minha vez de contactar directamente com ela, obrigando-me a parar por 3 semanas.
Depois de observado por dois médicos (
Doutor Páscoa Pinheiro e Pereira de
Almeida), várias sessões de fisioterapia, alongamentos, e electroacupunctura
(Doutor Eduardo Francisco), tudo se revelou ineficaz para combater o problema,
restava-me prosseguir com os treinos e suportar o desconforto da dor, quer na
bicicleta, quer na corrida, e assim foi até ao dia da prova.
|
Electroacupunctura |
ANTES DA PROVA
Os dois dias que antecederam a
prova permitiram-me contactar com o João Canhão e a sua namorada, curiosamente
alojados na mesma localidade, em Ulvik, a cerca de 1000 metros de mim, deu para trocar
impressões sobre o Norseman, provar a água, e no fundo criar um laço de
amizade. O João é uma pessoa muita bem disposta, agradável na conversa, e
disponível para desafios, isso ficou desde logo presente.
|
Eu e o João Canhão |
Foi também tempo de me encontrar
com a minha equipa de apoio, a quem desde já dirijo um especial agradecimento,
mormente ao Hugo Miguel, Milan Chhaganlal, Nuno Lopes, e Carlos Correia, mas em
particular ao
Bergen Vest Sportsklubb,
o clube que me acolheu, e me apoiou nesta aventura, estou certo que sem ele,
tudo seria mais difícil. Uma equipa fantástica sempre bem disposta, todos arreigados
à bandeira portuguesa. Com eles, estive em família.
Muito obrigado.
|
Nuno Lopes, Milan Chhaganlal, Hugo Miguel, Carlos Correia |
DIA DA PROVA
Depois de traçadas algumas
directrizes com o meu apoio da prova, o Nuno Lopes, chegou a hora de perder o
nervosismo, e enfrentar a besta de frente. Check-in feito, entrei no barco,
tendo este zarpado com uns 10 minutos de atraso. Durante a viagem fui
conversando com o João. O ambiente no barco é sereno. A água devia estar fria,
está sempre, o vento era muito forte, iríamos ter grande dificuldades no nado. Abre a rampa do barco, e gera-se algum silêncio, todos vislumbram a beleza da escuridão.
Salto para a água, como sempre
coloquei-me no grupo de trás. Quando se inicia a natação percebo que o vento
estava a gerar uma ondulação considerável. Entrei num grupo muito apertado,
onde mal conseguia mover os braços, pensei logo que teria de sair dali se
quisesses manter um ritmo mais fluído, e assim foi, afastei-me um pouco e a
coisa resolveu-se… por momentos. O vento prometia não dar tréguas, tinha a
sensação que estava no fim do grupo, olho para trás e não consigo confirmar com
exactidão, porém, percebo que muita gente estava parada, outros a nadar a
bruços, isso deu-me algum alento. Apesar das condições não serem boas, fiz
muitos treinos no rio Mondego em que as condições, com excepção do frio, até
eram piores.
Chego à transição e julgava estar
dentro do meu tempo médio, quando olho para o relógio assustei-me, 01:19 horas,
não podia acreditar no que via. Vim a saber mais tarde que os atletas de elite
saíram da água com 1 hora, estava pois explicado porquê tanto tempo. Ainda
assim, fiquei em 63º, o que, entre 250, considero ser uma boa marca.
Saí da água com frio, com pouca reacção
nas mãos, e foi neste momento que o apoio do Nuno se revelou crucial. Ele
ajudou-me a vestir, e foram precisos 08:15 min para o fazer, sem ele seria
muito difícil consegui-lo.
|
Saída da água |
|
1ª transição |
Começo a pedalar naquela que é a
primeira grande subida da prova, cerca de 35 km, em plena ascenção, e com
inclinação a chegar aos 8%. No topo, aos 1300 metros, já não se via nada com o
nevoeiro que se tinha instalado, por esta altura começa a chover copiosamente,
e a temperatura tinha baixado para os 5ºC. Molhado e com frio, a prova iria ser
uma verdadeira via sacra, pelo que uns kms adiante pedi umas luvas mais quentes, já que
tinha saído do parque com luvas de dedos curtos. Quando tento enfiar as luvas,
não consegui, as mãos molhadas e sem sentir os dedos, não me permitiram
calçá-las convenientemente. O Nuno bem que ajudou, mas a tarefa não estava
mesmo fácil. Numa das mãos só consegui enfiar 4 dedos, e os outros
também não estavam bem, de todo o modo, dado que não podia perder mais tempo
arranquei. Tinha alguma dificuldade em meter as mudanças, por causa das luvas mal
calçadas, mas também devido ao frio. Uns kms à frente consegui obter algum
conforto, as mãos, os pés e naturalmente o resto do corpo, aqueceram um pouco.
|
Nuno Lopes ajuda a calçar as luvas |
|
A bom ritmo |
A hidratação, a par com a
alimentação estava a funcionar bem, consegui ingerir, mastigar e engolir sem problemas,
e no tempo certo, o que era muito bom.
Até às duas últimas subidas, as
mais difíceis, a minha lesão não se manifestou, mas quando entro nessas fortes
pendentes, o meu joelho que já se vinha ressentindo, começa a fragilizar.
Começo igualmente a sentir sintomas de inflamação no outro joelho. A progressão
nas subidas foi lenta, mas de forma preventiva.
|
Penúltima subida |
Entro no parque de transição, e
consigo sair em 04:45 min, para um pachorrento como eu, é um bom tempo.
|
2ª transição |
Comecei
a correr fluído e a bom ritmo, sentia-me bem, entretanto o Miguel Pereira, o
outro português em prova, alcança-me, e daí em diante seguimos sempre juntos até
ao final da prova em boa cavaqueira. Ele estava com problemas na barriga, o que
o fez parar algumas vezes para aliviar o intestino. Continuámos a caminho do monte Gaustatoppen. Não sei precisar, mas talvez por volta do km
10/12 alcançamos o João que estava com cãibras e a caminhar. Fomos passando imensa
gente, entretanto, chegámos ao km 25, e a árdua subida de 17 kms estava à
porta.
|
Início da corrida |
|
Com Miguel Pereira a caminho do km 25 |
Eu sentia-me bem, fiz média de 145 bpm até este ponto da corrida. Estávamos
muito dentro do tempo de corte, o que nos permitiu andar. E assim foi até ao
final da prova. Atingimos os 32,5 kms muito dentro do tempo de corte, e com
03:41 horas de corrida. Entretanto, até ao km 37,5, juntou-se o Milan que me
acompanhou por 5 kms, seguíamos portanto em grupo, eu, o Milan, o Miguel e o
seu apoio, o Rui Dolores.
|
Monte Gaustatoppen |
|
É já ali! |
Já no km 37,5 segui com o Nuno Lopes até o final, com
quem viria a cortar a meta ao fim de 14:28 horas de prova, e classificando-me
em 84, curiosamente, o número do meu dorsal. Os últimos 5 kms são sempre muito
delicados, porque aquilo é uma montanha de pedras soltas, mas igualmente porque
a temperatura desce imenso, e a visibilidade reduz-se devido ao nevoeiro, não
podemos esquecer o facto de estarmos a quase 2000 metros de altitude.
|
Eu, Miguel Pereira, Nuno Lopes, e Rui Dolores, a caminho do topo |
|
Nuno Lopes e eu, na ascensão ao Gaustatoppen |
|
A caminho do monte Gaustatoppen
|
|
Após cortar a meta |
Este ano achei a subida mais
fácil porque não estava tanto frio, nem tanto vento, ainda assim, no topo, não
é nada agradável ficar no exterior. Entramos na casa de abrigo, e comemos uma
valente sopa com carne que era de distribuição gratuita. Nesta prova, a fazer
jus a uma afirmação da organização, senti frio, odiei as montanhas, por vezes
senti-me sozinho, mas tive, uma vez mais, uma experiência invulgarmente
emocionante, é isto que fica e recordamos.
9 comentários:
Mais um.
Parabéns
Quanto maior são as dificuldades maior é o prazer
Fico contente por ganhares mais uma preta.
Abr
A garra e a fibra de campeão resultaram em nova preta. Parabéns, abraço!
Amigo,
Foi efectivamente uma experiência única. Só mesmo realizando e acompanhando a prova no local para apercebermo-nos das dificuldades e magnitude dos esforços a superar.
Gratos pela vosso apoio.
Marlene e João Canhão
Nunca deixes de escrever sobre aquilo que pensas ser repetitivo.. para nós não é! E nem para ti, digo eu, porque tamanho feito nunca poderá ser igual, tal como dizes e muito bem!
Fico parva com a tua capacidade não só de sofrimento, como de superação pessoal, e ainda para mais com uma lesão latente..
Parabéns é pouco! Mas como não há outra palavra... MUITOS PARABÉNS mesmo! Sou tua fã, desde os tempos do Enbrunman! ;-)
é deveras emocionante ler estes relatos e arrecadar mais uma preta é obra. 1 abraço. Há e já agora e essa lesão já "provou" a terapia das ventosas? nada como tentar eu dou me bem. Mais uma vez uma valente abraço
Caros Amigos,
muito obrigado pelas vossas palavras, elas mostram que vale a pena nos esforçarmos em prol de um objectivo.
A todos, saudações desportivas
João Rita,
a lesão ainda me anda a chatear, nunca experimentei a terapia das ventosas, embora já tenha visto um vídeo sobre ela. Neste momento estou a ver se me convenço a fazer EPI (electrólise percutanea intratisular), um tratamento inovador que tem dado bons resultados, a ver vamos.
Obrigado pela dica e comentário,
Um abraço
Marlene,
foi um enorme prazer vos ter conhecido, o João é uma pessoa animada.
Muito obrigado pela oportunidade.
Beijos
Abraço ao João
Chuva Vasco
Que sensacional meu amigo !!!!
Vou continuar este ano a tentar a inscrição :-)
Grande abraço e parabéns !
Enviar um comentário