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RELATO DA MINHA PARTICIPAÇÃO NO NORSEMAN 2014
Norseman antes de ser uma prova de triatlo é um exemplo, um excelente paradigma no mundo do desporto.
No ano 2000, apenas 9 noruegueses
tinham realizado um Ironman, o triatlo na Noruega estava pois periclitante.
Norseman é pois uma vontade saída do desejo de reavivar esta modalidade, e
assim, começaram diálogos para criar uma competição que fosse diferente de tudo
quanto existia, no início, algo onde a experiência seria mais importante
que o tempo de chegada, uma viagem pela natureza, onde os atletas partilham
experiências com a família, e amigos que farão parte do seu suporte de apoio,
uma prova, com início de noite nas águas frias de um fiorde, e a terminar no
alto de uma montanha, donde se pode ver um sexto da parte continental da
Noruega. Estava pois lançado o mote para um grande evento.
Na sua primeira edição em 2003
alinharam à partida 21 atletas (19 terminam), hoje, muitos desejam um lugar na
tão jovem e mítica prova, e o nível de competição do Norseman tornou-se tão
elevado que já faz parte do circuito de alguns atletas famosos, tais como o
campeão do mundo Chris McComarck. Por outro lado, se tivesse participado na
primeira edição teria ficado em 3º lugar, o que evidencia o nível que esta
prova atingiu.
Mas porque razão Norseman se tornou em algo tão desejado? Norseman caminhou seguramente ao lado da exponencial proliferação do desporto, mormente a febre pelo mais exigente, mas também esteve de mãos dadas com os seus repetidos sucessos de ano para ano.
A PREPARAÇÃO
Em Outubro passado submeti a
minha inscrição ao Norseman, algumas semanas depois soube que tinha sido
seleccionado. Essa notícia foi uma enorme satisfação, mas sabia que ia me dar
muito trabalho. Depois de não conseguir participar na maratona do Porto, devido
a uma tenossinovite dos peroniais, tinha uma dificuldade acrescida na minha
preparação para o Norseman. Electroacupunctura com o Doutor Eduardo Francisco, e
vinte sessões de fisioterapia, embora com melhoras temporárias, revelaram-se ineficazes
no combate ao problema. Este estava longe de se resolver.
Perante tal entrave, e aconselhado por um ortopedista, “caminhar” devagar, reduzir a intensidade e o volume na corrida eram uma saída. Uma receita que veio a revelar-se eficaz, na medida em que, apesar de ter realizado apenas dois terços do que estava planificado para a corrida, acabei por dar mais descanso ao pé, e concomitantemente, reforcei-o, o que me permitiu chegar ao Norseman ainda com o problema, mas fundamentalmente sem dores incapacitantes.
Na medida em que os meus dois
últimos Ironman’s foram realizados em montanha (Embrunman), estava confiante
que o segmento de ciclismo não seria a maior preocupação, antes pelo contrário,
centrei muito cuidado no primeiro segmento. A minha preocupação estava
precisamente na natação, sobretudo pelo facto desta ser realizada em águas
muito frias. Durante o inverno consegui fazer um treino de 12ºC e dois de 13ºC,
tudo o resto foi acima destes valores. Acreditem ou não, mas a nadar com
temperaturas a rondar os 12ºC, o frio dá lugar à dor, uma dor lancinante que se
espeta na cara e nos tolhe o raciocínio. Experimentem e dar-me-ão razão. Com
excepção de 3 treinos de piscina, todos os restantes foram feitos no rio,
maioritariamente contra a corrente, o que me permitiu fortalecer o nado, mas
inevitavelmente impossibilitou-me de melhorar tecnicamente. Chegado que estava
o dia da prova, tinha de decidir se queria nadar com camisola térmica, e se
usaria touca de neoprene ou balaclava. Deixaria a decisão para a véspera da
prova.
No que toca ao 2º segmento,
fui-me preparando, cumprindo a planificação definida, e realizando apenas dois treinos
semanais de ciclismo. Substancialmente pouco, mas o que me era permitido fazer
devido ao constrangimento profissional. Realizei alguma preparação que
considero decisiva para melhor trepar, como por exemplo o de Guimarães-Mondim
de Basto (Sr.ª da Graça), e no plano, enriqueceram-me aqueles que fiz com o
Nuno Gameiro, Paulo Polónio, Jordão Alves, e Tiago Mendes.
Já a corrida, embora limitada
devido à lesão supra referida, foi feita tendo em conta o perfil da prova. Os
17 kms finais a subir eram a minha preocupação, e nesse sentido, o meu
propósito estava direccionado para uma corrida muito vertical. Realizei alguns
limiares anaeróbicos no plano, e trabalho de subida em asfalto. O trail,
inicialmente previsto, esteve proibido devido ao elevado risco de agravamento
da lesão.
A VÉSPERA – 01 DE AGOSTO
Na véspera da prova é comum os atletas se reunirem para sentir a água, então, num momento de confraternização, encontrei-me com o Paulo Rua, o outro atleta português que ia realizar o Norseman, e lá fomos nós “molhar os pés”. Eram umas 10:30 horas da manhã, a água, límpida, estava a 15ºC, nada que nos incomodasse, porque estar pela primeira vez a nadar no meio de uma paisagem idílica desviava a nossa atenção de qualquer frio que pudesse existir. O fantástico ambiente, com aqueles monstros de rochas a mostrar a grandiosidade da natureza, e as nuvens muito baixas, formando um ligeiro nevoeiro, criavam o cenário perfeito para qualquer artista romântico.
A tarde foi preenchida com o
famoso briefing, que afinal não era tão obrigatório quanto anunciavam, já que
ninguém controlava as presenças. De todo o modo, foi imprescindível, dado que
muita informação que foi veiculada era nova, e de extrema relevância para o dia
da prova. Ficámos a saber que houve um deslizamento de terras num dos túneis
que teríamos de passar: o túnel Måbø. Assim, a autoridade rodoviária, pela mão da
organização do Norseman, aplicou algumas regras de circulação nomeadamente a do
“pace car” usada na fórmula 1, e que proíbe qualquer tipo de ultrapassagem,
mesmo que alguém parasse. Além disso, não poderia haver qualquer tipo de apoio
até Vøringsfossen, numa extensão de 18 kms. Foi também no briefing que se fez
um minuto de silêncio pela morte do Norseman Øyvind Slørdahl (1977-2014).
Também a notícia meteorológica que previa mau tempo no Monte Gaustatoppen, e
que forçosamente poderia impedir o seu acesso, elevou a expectativa.
Regresso a casa para jantar, e depois disso, tempo para conhecer e confraternizar com os 4 elementos da Lusofonia de Bergen que fizeram questão de vir apoiar os seus compatriotas.
Regresso a casa para jantar, e depois disso, tempo para conhecer e confraternizar com os 4 elementos da Lusofonia de Bergen que fizeram questão de vir apoiar os seus compatriotas.
De volta a casa, hora de verificar os últimos preparativos,
e descansar um pouco.
Uma última mensagem deixada no facebook e por volta das
03:30 horas, saímos para Eidfjord, a cerca de 1 kms do alojamento.
A PROVA – 02 DE AGOSTO
Depois do Check-in feito,
encontrei-me com o Paulo Rua e deixamos as nossas equipas de apoio. Entramos no
barco, e às 04:00 horas zarpou.
A partir daqui estávamos sós, a
nossa prova tinha para todos os efeitos começado. O ambiente dentro do barco é
muito sereno, alguns meditam, outros aquecem, o medo, esse, em consonância com
o respeito da prova, estava bem estampado na cara dos atletas. Imaginava o que
os outros sentiam naquele momento. Entretanto, ouvia-se um murmúrio complacente
de atleta para atleta. E eu!? Estava ali a contemplar toda aquela beleza.
Olhava o horizonte e apercebia-me
da beleza daquele cenário, que acredito, único no mundo. Uma garganta de rochas,
um espelho de água verde, nuvens quase a roçar o plano de água, e o sol a querer
nascer. É inefável o que senti, naquele instante percebi que independentemente
do resultado, aquele seria um dia memorável. Tantos vídeos que vi, tantos
relatos que li, e ali estava eu, à minha vez, para cumprir com aquilo que
sempre desejara.
A natação
Tenho bem presente o salto para a
água, este ficará gravado em memória para todo o sempre. Em grupos fomos
saltando, fiquei na retaguarda e lancei-me, o choque térmico, apesar de ter
optado pelo balaclava e pela camisola térmica, foi de facto grande. Em seguida
nadei para a linha de partida situada a cerca de uns 300 metros do barco, e
como previsto, às 05:00 horas da manhã soou a buzina de partida. Naquele
momento tinha início um dia fabuloso, mas muito extenuante.
A natação foi 75% confortável,
mas pelo facto de ter levado camisola interior térmica, fiquei com alguma
limitação no movimento de ombros, o que me obrigou a solicitar mais os
músculos, os restantes 25% foram feitos com um cansaço não previsto, foi aqui
que senti a falta de trabalho específico. Havia momentos em que a temperatura
da água baixava abruptamente, e eu continuava a nadar com alguma tranquilidade,
embora cansado, sabia que estava quase a terminar o primeiro segmento. Contorno
o pequeno porto, e saio da água em 84º, vejo o tempo e pensei: “01:12 horas,
não posso acreditar”. De facto esperava fazer cerca de 3 minutos menos, valeu
pela experiência e dali retirei uma lição para outras provas semelhantes.
Apesar de cansado,
entrei bem no parque de transição, vesti o equipamento, que era bastante, e por isso
demorei muito tempo. Coloco o colete reflector, acendo as luzes e saio do
parque de transição com 08:42 minutos (143ª posição).
O ciclismo
Faço-me à estrada, e 1 km depois
noto que me faltava o dorsal. Pensei: “estou tramado!”. Como fui eu sair do
parque de transição sem que notassem a ausência do dorsal? A culpa seria sempre
minha e com direito a desclassificação. Sabia que tinha de conjugar o meu
andamento com a resolução do problema, assim, indo contra o regulamento, pego
no telemóvel a pedalar, e ligo ao meu apoio. Estava a cometer a minha segunda
infracção. Ninguém atende, uns kms adiante volto a tentar, e novamente sem
sucesso, deixo então uma mensagem: “traz-me o dorsal rapidamente”. Tinha de
chegar ao próximo posto de controlo em Dyranut, ao km 40, com o dorsal, caso
contrário seria detectada a sua falta, até lá restava-me esperar que nenhum
árbitro desse pela infracção.
Os primeiros 35 kms deste
segmento, incluem passagem nalguns túneis, são muito selectivos, e sempre a
subir, com algumas pendentes a rondar seguramente os 10 ou 12%.
Embora me sentisse bem a subir,
não podia meter o meu ritmo por causa da falta do dorsal, fiz alguma ginástica
para circular entre ciclistas de modo a dificultar a visibilidade da minha
traseira, mas nem sempre era fácil porque alguns atletas, devido ao meu ritmo
mais lento, ultrapassavam-me. Entretanto, eis que toca o telefone, era o meu
apoio a dizer-me que vinha a caminho com o dorsal, mas que o trânsito estava
muito congestionado e lento por causa da prova, nalgumas partes do percurso
estava mesmo bloqueado para permitir a passagem dos atletas, que ora circulavam
em vias paralelas à estrada nacional, ora circulavam nessa estrada principal.
Toda esta situação deixou-me muito
stressado, mas mais ou menos ao kms 18, chega, finalmente, o meu dorsal. Foi um
alívio saber que dali em diante estava tudo em ordem e pronto para
efectivamente iniciar o meu ciclismo.
Chego ao km 40 na 131º posição,
com o tempo de 02:06 horas, a partir dali iria descansar um pouco as pernas.
Nada mais errado! Olhando para o perfil do segmento de ciclismo percebemos que
a partir do km 40, somos lançados numa descida de 51 kms, porém, isso não
corresponde à verdade. Efectivamente nós passamos dos 1263 metros para os 779
metros, o que significa que há uma perda de 484 metros, portanto,
substancialmente pouco para uma extensão de 51 kms. Isto significa que esta
descida é um “rompe pernas” constante, com descidas pouco acentuadas. Descia e
logo estava a subir, acresce a isto que todo o percurso é descampado e com um
vento muito forte, onde por vezes a descer tinha dificuldade em manter uma
velocidade superior a 30 kms/h.
Chego a Geilo (km 90), com dois
lugares recuperados (129º), e com o tempo de 03:44 horas, francamente pouco
para uma prova deste género, porém, notei que todos estavam a aguentar o ritmo
e ninguém arriscava nada. O espírito é altamente competitivo, todos querem uma
t-shirt preta. É constante vermos os atletas a olharem para trás para saber se
estamos a fazer drafting, ou para tentar descolar, por outro lado, ouvem-se as
equipas de apoio a gritar as suas posições, para os incentivarem a progredir.
Também estava a receber informação da minha equipa de apoio, e embora fossem dados provisórios, permitiram-me gerir o esforço.
Chegado aqui sabia que devia comer uma sandes de presunto, mas não me apeteceu, tendo-lhe dado apenas uma trinca. Fiz o resto da alimentação seguindo os conselhos da minha nutricionista Filipa Vicente, comendo e hidratando no tempo certo, mas aqui, uma vez mais o meu lema prevaleceu: “por mais preparado que estejas, o inesperado espera-te”. O meu hábito de consumo recai nas barras PowerBarEnergize C2MAX, são possivelmente as melhoras barras energéticas do mercado, mas têm um grande inconveniente que, embora o conhecendo, esqueci-o completamente: Quando a temperatura é muito baixa, as barras endureceram de tal maneira que é muito difícil mastigá-las, tornou-se um desconforto tremendo passar cerca de meia hora para comer uma barra, assim, acabei por desistir delas.
Chegado aqui sabia que devia comer uma sandes de presunto, mas não me apeteceu, tendo-lhe dado apenas uma trinca. Fiz o resto da alimentação seguindo os conselhos da minha nutricionista Filipa Vicente, comendo e hidratando no tempo certo, mas aqui, uma vez mais o meu lema prevaleceu: “por mais preparado que estejas, o inesperado espera-te”. O meu hábito de consumo recai nas barras PowerBarEnergize C2MAX, são possivelmente as melhoras barras energéticas do mercado, mas têm um grande inconveniente que, embora o conhecendo, esqueci-o completamente: Quando a temperatura é muito baixa, as barras endureceram de tal maneira que é muito difícil mastigá-las, tornou-se um desconforto tremendo passar cerca de meia hora para comer uma barra, assim, acabei por desistir delas.
A seguir a Geilo, tinha a primeira
de quatro pendentes com 4 kms (5 no total, incluindo a primeira de 35 kms),
nada que exigisse muito esforço. Segue-se depois ao km 105 mais uma subida de 5
kms um pouco mais acentuada. A terceira subida, de 10 kms, surge ao km 114 e
sobes até aos 1108 metros, por fim, ao km 135 aparece aquela que considero ser
a mais difícil subida da prova, não pelos seus 15 kms, mas porque as pernas já
acusam algum cansaço, e porque a inclinação é acentuada.
Entretanto, a organização envia
uma mensagem sms para a equipa de apoio, alertando para que nos preparássemos
para o mau tempo que se aproximava. A partir do km 150 iríamos estar sujeitos a um
forte temporal, com chuva torrencial, muito vento e trovoada, e colocaram de
sobreaviso o uso obrigatório do colete.
Não sei como conseguem controlar
com precisão a meteorologia, mas a verdade é que chego a Imingfjell, (km 150),
na 113ª posição, com o tempo de 06:13 horas, e o clima muda radicalmente,
adquirindo um aspecto tenebroso: chove copiosamente, rajadas de vento
fortíssimas faziam-me balançar na bicicleta, era impensável pegar no bidon para
beber, o nevoeiro por sua vez limitava substancialmente a visibilidade,
estávamos a 1180 metros de altitude, a temperatura baixou impetuosamente, tudo
fazia jus àquilo que é o Norseman.
Por esta altura, tanto o meu
apoio como a Lusofonia de Bergen, mantiveram-se firmes e com coragem para
suportar as difíceis condições daquele momento.
A penalização
Faltavam-me 30 kms, não queria
perder tempo a vestir o impermeável, então prossegui, vencendo o vento, até que
em boa altura pensei: «vais ficar ainda mais encharcado, a temperatura está
excessivamente baixa, vais arrefecer muito e enfraquecer, não vais conseguir
pedalar, e muito menos travar na descida que se segue, consequentemente vais
perder lugares, ou até cair», então, neste rasgo de pensamento decidi pedir o
impermeável. Aproxima-se o carro de apoio, que encosta à berma, e coloco-me no
lado do condutor. Tantas vezes li o regulamento e nem me lembrei que estava a
cometer uma infracção. Num ápice, pego o impermeável das mãos do meu apoio, e
nesse preciso momento pára um carro à paisana com árbitros, que imediatamente
me aplicam um cartão amarelo referente a uma penalização de 5 minutos.
Tinha cerca de 25 kms para
arriscar tudo, e recuperar o tempo que acabava de perder. Neste intervalo, o
meu apoio, grita-me sucessivas vezes que tenho de deixar o colete visível, pois
este tinha ficado por baixo do impermeável, contudo, não tinha nenhuma intenção
de o trocar, porque seria mais tempo perdido, mas dada a insistência e
reparando que todos os atletas vestiam os seus, acabei por ceder e regularizar
a situação. Soube mais tarde, que a juíza arbitro que me penalizou tinha
enviado uma mensagem, dizendo que se não vestisse imediatamente o colete seria
desclassificado. No fundo corria sérios riscos na segurança rodoviária, como
também estava a colocar em causa a prossecução da prova. Aprendi que devemos
dar ouvido, e atenção a quem nos apoia, afinal, eles estão lá para isso mesmo,
e nessa medida, eles têm uma realidade diferente da nossa, mas que obviamente
se complementa.
Desde este momento até ao final
do segmento não tinha outra opção do que andar no limite, e é um facto que
andei bem. Não me poupei na descida, fui ganhando lugares. A lente escura do
meu capacete Casco Speedairo era demasiado hermética, e devido ao mau tempo, não
me deixava ver bem a estrada que estava em muito mau estado de conservação, então
decido levantá-la, a partir deste momento, os pingos de chuva pareciam agulhas
a espetarem-me a cara e os olhos. Arrisquei muito na descida, talvez demais, naquelas
condições, o risco de queda era elevadíssimo, mas se assim não fosse não teria
chegado ao fim na 104ª posição, ganhando 9 lugares e totalizando 07:24 horas
neste segmento.
Chegado à segunda transição, em Austbygda
sou recebido por uma senhora que me mandou encostar para cumprir a pena de 5
minutos. Sentado, lá fiquei a ver passar todos aqueles que fui conquistando nos
últimos kms. Eu sabia que isso me iria acontecer, tal como também sabia que
dali em diante teria de fazer a minha corrida de modo folgado, mas a tentar
recuperar posições.
A corrida
Chego ao parque de transição todo
molhado, troco então de roupa, e saio com 15 minutos (penalização incluída). Dou
início à corrida. Mal saio do parque apercebo-me que esqueci o relógio na
bicicleta, neste momento estava ao meu lado o Nuno Lopes da Lusofonia de
Bergen, a quem lhe peço o favor de o ir buscar. E assim foi, o Nuno corre ao
parque e por intermédio do meu apoio rapidamente mo traz de volta.
Por esta altura não chovia, começo
solto, e com boas sensações, seguia a 04:30 min/km, vou passando pessoas,
estava no último segmento da prova, aquele onde consigo obter os meus melhores
resultados. Estou cansado, mas com muita força nas pernas para suportar o que
estava para vir. A minha táctica foi correr os primeiros 25 kms o mais rápido
possível, porque provavelmente iria sentir dificuldades na subida de 17 kms.
Estava confiante, e continuo a dobrar outros atletas.
Como alguns frutos secos, e bebo
uma mistura de Coca-cola e água, na proporção de 50/50. Mais uns quilómetros e
não estava a conseguir comer o pouco que levava, então, sabia que não podia
falhar a hidratação, contudo, já não suportava a bebida isotónica, e apenas a
Coca Cola me estimulava, só que esta tinha acabado, é neste momento que o meu
apoio pediu a outra equipa, e esta, benevolentemente, disponibilizou cerca de
meio litro, o que me permitiu continuar mais uns quilómetros. Por esta ocasião já tinha baixado o ritmo de corrida, mas ainda assim seguia bem. Chegado ao km
25,5, tenho 02:18 horas de corrida (média de 05:20 min/km), com o 68º melhor
tempo da corrida e na 119ª posição global.
Noto que a Coca-Cola acabara, e
aqui uma vez mais o meu apoio se revelou precioso. Sabia que não iria conseguir
hidratar tão bem com outro líquido, foi então que lhe pedi para ir à localidade
de Rjukan comprar. Sem qualquer obstáculo, e sem conhecer aquela
região, foi procurar uma loja onde pudesse adquirir a tão famigerada bebida. Isto
é revelador de um bom apoio.
Entretanto comecei a empreender o
início dos 17 kms da subida, entrando naquilo que chamam o “Zombie Hill”, uma
extensão de cerca de 7 kms com um declive muito acentuado.
A prova não me estava a correr
mal, coloquei-me então como objectivo ficar entre os 100 primeiros, para isso
tinha de trabalhar arduamente naquela subida, e assim foi. Começo a subida a
correr e paro para andar apenas umas 3 vezes até ao km 32,5, os treinos de
subidas estavam a revelar-se eficazes. Cerca de 98% dos atletas preferem andar
do que correr, eu aproveitei-me disso para conseguir ganhar mais uns lugares.
Chego ao km 32,5 com 03:30 horas, estava bem abaixo do tempo de corte de 14:30
horas, e entre os 100 primeiros, logo, entre os 160 primeiro a quem era
permitido subir ao Monte Gaustatoppen. Fiquei contente, mas sabia que
cumulativamente tinha de perfazer os 5 kms seguinte em menos de 1 hora, tudo
estava ao meu alcance e eu sabia-o. Continuei a correr e ainda consegui
ultrapassar mais 4 atletas que penosamente caminhavam.
Ao km 36 vêm ao meu encontro o Nuno Lopes e o Milan Chhaganlal que me encorajam e acompanham até ao km 37,5. Chegado aqui, hora de encontrar o meu apoio, pegar as mochilas para ir ao posto de controlo, e atacar o terreno hostil dos últimos 5 kms.
O cume do monte estava coberto de nevoeiro, previ
imediatamente que não ia ser fácil a ascensão. Dado que a maioria do percurso é
inacessível para a corrida, estes 5 kms finais foram feitos a caminhar. No
início existe um trilho misto de terra e pedra, mas à medida que vamos subindo
esse mesmo trilho deixa de ser perceptível e é totalmente constituído de lascas
de pedras enormes. A primeira sensação é que trituraram uma montanha, e a
despejaram ali.
À medida que subíamos, o vento soprava com mais intensidade,
a temperatura baixava, e o nevoeiro obliterava a nossa visão. Nesta fase já não
estava preocupado com a minha posição, até ter visibilidade deixei-me seduzir
pela paisagem, parei para bater umas chapas, e deslumbrar o quanto de belo tinha
à minha frente. Entretanto, fotógrafos pedem-me para ser fotografado com a
Bandeira Portuguesa, e mais uns quantos atletas passam-me.
A meio do percurso, a falta de cartilagem do meu apoio
impede uma progressão mais aturada, e paramos uns breves momentos para
recuperar. Neste entretanto, estava a ser ultrapassado por imensos atletas que
caminhavam bem. Pouco significado isso teve para mim, o objectivo estava
praticamente cumprido – obter a camisola preta. O meu apoio, constrangido por
este facto, sugere-me várias vezes que seguisse ao meu ritmo e o deixasse para
trás, obviamente que a minha resposta foi negativa, afinal de contas éramos uma
equipa, em que a separação seria inadmissível. Não posso deixar de realçar o seu
esforço, que sujeito aos seus problemas físicos, e dadas estas circunstâncias,
esteve ao melhor nível, conseguindo acompanhar-me até ao topo.
O tempo estava cada vez pior, sobretudo o vento e o frio que
começavam a ser insuportáveis, a minha capacidade de aquecer estava
enfraquecida e sabia que não podia ficar ali muito mais tempo. Continuamos a
trepar aquele monte até que à nossa frente aparece uma escadaria de pedra com
cerca de 150 metros, e que nos iria levar até à meta. Aquilo pareceu-me tão
inusitado que se afigurava impossível estar ali, depois de tantos quilómetros
sem qualquer facilidade via-me a subir degraus para terminar, até nisto
Norseman espanta-nos.
A escassos metros da linha de chegada, tempo para compor a
nossa Bandeira, e caminhar até cortar a meta. Terminei o último segmento com
05:51 horas, com a média de 8:22 min/km, acabando a prova com um total de 14:52
horas, e posicionando-me em 109º.
Finalmente o sonho de ganhar a tão cobiçada camisola preta
estava cumprido.
Os vencedores deste ano foram Allan Hovda (10:52 horas) e
Line Foss (12:56 horas) que receberam um prémio patrocinado pela United
Bakeries de 5000 dólares cada, a ser doado a uma associação de caridade à sua
escolha.
Usando um termo do David Caldeirão, diria que Norseman é o
verdadeiro “monstro” Ironman, um belo inferno, que pela sua beleza e dureza, mas
sobretudo pela inefabilidade da prova, qualquer triatleta deveria experimentar.
Terminei a prova e o que me ocorreu foi: “Norseman nunca mais!”. Estava
obviamente mentalmente enfraquecido, mas a prova é tão contagiante que no dia
seguinte não me saia da cabeça a ideia de voltar.
CONSELHOS
Norseman é uma prova minimalista,
elitista, dispendiosa, com uma logística complicada, uma prova com duas metas,
mas sobretudo muito exigente, não só do ponto de vista físico, mas
fundamentalmente psicológico.
Norseman é distância Ironman, e
não obstante isto, não posso também de deixar claro que quem quiser fazer o
Norseman terá de ter presente que irá sofrer (ao menos um pouco, lol). As águas
frias do fiorde de Hardanger será a primeira provação, preparem-se para sair
gelado, com dislexia no raciocínio, dificuldade em falar, e com as mãos a tremer, assegurem-se que
por esse facto conseguem comer, hidratar, e pedalar, em segurança. Pode demorar
muito tempo até se sentirem confortáveis.
Não se deixem enganar pelo perfil
do ciclismo, não haverá tantas descidas quanto parece. Realço ainda o início
com uma subida de 35 kms e a partir do km 91, quatro subidas acentuadas.
Norseman, já vimos, não é uma
prova vulgar. Tenham também presente que as condições climatéricas nunca serão
as ideais. Para lhes fazer face, em toda a prova é obrigatório o uso de luzes à
frente e atrás, bem assim como colete reflector. Acreditem ou não, mas
apanharão sempre chuva e vento, senão em todo o percurso pelo menos nalgum
momento da prova, sobretudo no Plateau, sensivelmente ao km 145, uma zona alta
e descampada, com uma extensão de alguns kms, onde o vento sopra de forma
absurda.
Também não podem esquecer, que a
corrida, a partir do km 25, é um dos momentos onde se consegue ganhar posições,
porque a maioria dos atletas sobem a andar, mas para isso terão de
correr. O Zombie Hill ficar-vos-à na memória. Essa ascensão de 7 kms vai até ao
controle dos 32,5 kms com o tempo de corte de 14:30 horas, seguem-se mais 5 kms
que terão de fazer em menos de 1 hora. Chegados ao km 37,5 serão vistos por um
médico e só ele permite a ascensão (cuidem de ter bom aspecto, lol). Não vos
será permitido subir sozinho, o elemento da equipa de apoio terá de vos
acompanhar, e ambos terão de levar uma mochila contendo alguns artigos. A
partir daqui têm mais 5 kms e vão ao cume do Monte Gaustatoppen para ganhar a
tão desejada camisola preta. Por esta altura estarão muito cansados, o perfil
destes 5 kms finais parece ter saído de uma qualquer ficção fílmica,
provavelmente o tempo estará mau, e, portanto, é possível que o ânimo esteja em
baixo.
Porque a ascensão é vedada ao
público, não esperem encontrar uma multidão para vos receber na meta, muito
pelo contrário, contem com algo austero, será um momento que reflecte
intimidade.
Para descer, apenas há transporte disponível para o atleta, o seu
apoio terá de regressar a pé independentemente das condições meteorológicas, o
que pode ser extremamente complicado.
No final, o atleta e a equipa, chegarão
à conclusão que todo o sacrifício daquele dia valeu a pena, independentemente
da camisola que trouxerem, viverão momentos únicos e inesquecíveis, afinal de
contas, só isso importa.
AGRADECIMENTOS
Falar de agradecimentos é falar
de pessoas, assim, agradeço à Empresa Fertiprado, em particular a João Paulo
Crespo, por ter depositado confiança neste projecto e me ter patrocinado.
Também agradeço à nutricionista
Filipa Vicente pelo precioso plano alimentar, ao José Canhola e Ricardo Biscaia
do Centro de Fisiologia Desportiva pelo bikefit e alguns conselhos adicionais,
à Altis pelo apoio prestado nalgum equipamento desportivo, e ao Daniel Barros
do Gymno B e Eng.º Carlos Lavoura da secção náutica do Ginásio ClubeFigueirense, pela utilização do ginásio.
A todo aqueles que estiveram
envolvidos neste meu projecto, fundamentalmente ao Doutor Eduardo Francisco, e
à fisioterapeuta Márcia Silva, respectivamente pelo apoio médico e pelos
conselhos de terapia para a recuperação da minha lesão no pé. Ao Nuno Gameiro
pelos agradáveis treinos que fizemos em conjunto, ao Mauro Correia, Arlete
Silva, Planeta do Triatlo, e Ricardo Fradinho pela divulgação da minha imagem,
ao Geraldo Ferreira pela ajuda na obtenção de patrocínios, ao João Rocha pelos
conselhos sobre pneus, ao Alcino Oliveira e Paulo Conde pelas preciosas
informações sobre a prova, ao Paulo Alves por gentilmente ter mantido contacto
com o meu apoio, informando atempadamente as minhas posições de passagem, ao
Carlos Romeira pelo apoio, conversas e dicas sobre a Noruega. Ao Hugo Miguel,
Nuno Lopes, Tavares Rodrigo, e Milan Chhaganlal da Lusofonia de Bergen que
estiveram presentes no evento, me estimularam e deram ânimo antes e durante
toda a prova, o meu muito obrigado.
Agradeço igualmente ao Paulo Rua,
Francisco Carvalho e Nuno Amaral Bastos pela boa disposição e bons momentos de
confraternização na Noruega.
Também teço agradecimentos a
todos aqueles que me seguiram, e que me conhecendo ou não, estiveram do meu
lado até ao dia da prova. Aos meus Colegas de trabalho, que tiveram paciência e
compreenderam a dimensão do projecto em que estava envolvido, obrigado.
Uma palavra especial de
agradecimento ao Atletismo Clube de Portalegre por me ter acolhido no seu seio
e me permitir vestir a sua camisola.
Por fim não podia deixar de
enaltecer a cumplicidade que se estabeleceu entre mim e a minha namorada que desde
o início esteve do meu lado neste projecto, constituindo-se como uma equipa que
trabalhou arduamente na preparação do mesmo, quer em termos logísticos,
preparação física, e no dia da prova, como suporte de apoio em toda a competição, numa
vontade incondicional de ambas as parte. Realço e felicito o esforço e o
empenho que demonstrou ao longo destes meses, em prol de uma causa que
considerou sua desde o início.
Finalmente um agradecimento
especial aos meus pais por entenderem as minhas ausências.
13 comentários:
Se o norseman é um belo inferno e tu conquistaste-o ,o que faz de ti?
aquele abraço e espetaculo
abel condesso
INVEJA é o que me apetece dizer...
fabuloso não só o dia, mas todo o trabalho que leva um triatleta a cumprir o seu sonho!!!
parabens
Sinto-me tão pequenina ao ler este relato :-P
Isto não é um Ironman, é uma prova de vida e de força para a vida!
Já me acostumei a que escolhas normalmente provas acima de duras (o Enbrunman é disso exemplo), mas esta.. esta é algo de sobre-humano.
Qual Ironman qual carapuça, ser Norseman é como ser 1 alien, no bom sentido! Muitos parabéns! Sou tua fã desde q meti na cabeça fazer Ironman's! ;-)
Grande Máquina!!!!! Fico contente por nao teres furado nenhuma vez!!!
Grande relato (a fazer-nos sentir, ainda mais, a dimensão da prova)!
Mais uma vez Parabéns!
Um abraço.
Obrigado pelo relato.Parabéns
Parabéns pela prova espetacular companheiro ! Sensacional relato, vamos ver o que acontece na loteria desse ano, se consigo a sorte precisarei de muitas dicas tuas.
Abraços !
Depois de ler este teu descrever de sensações e vivências nesta prova onde acabei por chorar e sentir o teu relato de prova com emoção real, de tudo o que dizes.
Fico com um sentimento de muita satisfação por tudo ter corrido bem, sobretudo por teres conseguido a preta.
Relembrei me o momento onde tu sim tu... No embruman aguardavas a minha chegada depois de já teres terminado a prova e deste-me um abraço e disseste estou feliz por ter terminado mas estou mais feliz porque terminas te e concluíste o teu primeiro IM.
Onde tinhas sido tu a convenser me a participar.
Espero que a minha vida e a tua vá permitindo poder ir fazer mais alguns desafios como este maravilhoso que acabas te de fazer.
Um grande abraço e até breve.
Abel, já me andam por aí a chamar Horseman, lol, mas Devilman também não me ficava mal, às vezes spou pior que isso, eheheh.
Obrigado Filomena, David, Hugo, e João Rita, pelas palavras, são pessoas como vocês que me estimulam e contribuem para que tenha mais força para continuar.
Rafael, estou totalmente disponível para te dar as informações que precisares, dispõe.
Jordão, as tuas palavras são fortes, mas verdadeiras, apraz-me sempre ver os meus amigos felizes, e de facto naquele dia 15 de Agosto, tu irradiavas felicidades, e para mim foi uma enorme satisfação compartilhar esse momento contigo.
Estou certo que muitas outras oportunidades existirão, onde possamos viver em conjunto esta coisa bonita que é o desporto.
Abraço
João Rocha, pois não furei mesmo, mas confesso que para a prova levei uns "Course" novos. Os que me sugeriste fizeram imensos treinos e voltei agora a montá-los na bike, até agora, nenhum furo, é de facto uma boa escolha, obrigado.
Quando estiveres pela Figueira diz algo.
Abraço
Força Chuva. Aquí o teu conterrâneo está a torcer por ti e os tugas de Bergen sabem disso. É pena eu viver bem longe(no sul da Noruega) senão ia com o Hugo e o gang apoiar te.
Olá Humberto, obrigado pelas amáveis palavras, estou certo que a Lusofonia que represento me apoiará como o fez em 2014, e certamente será uma festa agradável para todos os Portugueses aí residentes.
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